O passado já passou?

Matheus Ribeiro

Matheus Ribeiro

A Gestalt-Terapia é frequentemente conhecida como a terapia do aqui-e-agora. Embora esse de fato seja um conceito fundamental em nossa teoria e prática, frequentemente foi simplificado e virou um estereótipo.

Em sua versão simplificada e empobrecida, o aqui-e-agora é meramente o presente, sem passado e sem futuro: sem história e sem desejo.

Quando os fundadores de nossa abordagem elegeram a ideia de aqui-e-agora para ser o centro de nossa prática terapêutica, não era isso que tinham em mente. Ao contrário, através dessa ideia, procuravam mostrar que a temporalidade de nossas vidas não está num passado e num futuro distantes e que só podemos vislumbrar através da reflexão.

Não! Passado e futuro estão sempre conosco. São a nossa sombra e nosso próximo passo, mesmo antes de decidirmos caminhar.

Dizer aqui-e-agora é dizer que sou muito mais do que meu presente, sou todo um campo de possibilidades inatuais que se reenviam desde tudo que ja me aconteceu e me afetou.

Assim, esses campos temporais (que somos nós mesmos!) são fortemente marcados por seu passados, pelas suas histórias, pelos seus afetos e desafetos, pelos momentos de alegria, êxtase, dor, tristeza e mesmo violência. Não somos apenas o que desejamos lembrar, mas tudo o que já aconteceu conosco.

Ou seja: o conceito de aqui-e-agora, em sua radicalidade, não nos leva a ignorar o passado ou o futuro, mas a perceber a riqueza da temporalidade da vida.

Se fingirmos que o passado já passou e não importa mais, falseamos nossa existência: fragmentamos o aqui-e-agora. O passado ainda existe, constitui tudo que somos, viemos a nos tornar e ainda nos tornaremos.

Se ignorarmos nosso passado, aniquilarmos nossa memória, ocultarmos as violências que nós e os outros sofremos, daremos margem para que horrores se repitam. E então seremos cúmplices do crime de tentar apagar a história.

Ditadura, nunca mais!

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