A dança dos desencontros

Matheus Ribeiro

Matheus Ribeiro

Quanto mais sentimos e menos pensamos, mais nos aproximamos do mistério do contato amoroso. Não se trata de acaso: como em tudo mais que diz respeito aos estados afetivos, o ato teórico sem fundamento rigoroso na experiência se prova estéril. Monogamia, relacionamento aberto, sexo casual, demissexualidade – todos conceitos importantes, sem dúvidas, mas que por vezes são tratados no âmbito da preferência individual, como se estivéssemos diante de um cardápio e bastasse escolher de acordo com nossa vontade para viver a felicidade. Quem dera!

Andando os caminhos da terapia – como terapeuta mas também enquanto sofredor, como todos nós – fica-me evidente que há uma grande passividade na nossa escolha amorosa. Quero dizer: nossa história renegada está muito mais presente do que provavelmente gostaríamos. Feliz é aquele inocente o suficiente pra acreditar-se dono absoluto do próprio destino. Entretanto, é ele também que em algum momento vai ouvir a campainha tocar e ver a realidade através do olho mágico, batendo em sua porta.

Somos certamente nossas escolhas, mas o desejo é muito mais poderoso que a vontade. E é por isso que por mais que queiramos querer algo diferente do que queremos, não há luta ganhável contra a sabedoria ancestral, afetiva e visceral que orienta nossos atos. É ela que marca nosso estilo relacional e que enfim vai ditar se nos relacionaremos de maneira amorosa, fria, casual, íntima, omissa, cuidadosa, irresponsável, codependente e assim por diante. É ela que definirá se nossa escolha sexual e amorosa será em busca de conexão, companhia, aventura, erotismo, segurança ou ainda uma das outras infinitas possibilidades que o contato com a alteridade nos proporciona.

Sendo seres de profunda insegurança, poderíamos buscar chão na monogamia: há algo mais tentador do que a garantia do amor exclusivo do outro? Ainda mais do que um sistema estrutural de poder, monogamia é um estilo de demanda e resposta afetiva: a demanda por completude, o preenchimento imaginário, as metades da laranja… E por mais que os críticos revirem os olhos, é um fato de que para muitos, ela funciona. Seus partícipes irão fechar os olhos, os ouvidos, e todos seus sentidos em nome da unidade. Questão de estilo e de necessidade.

Já para aqueles mais angustiados pela normatividade, que não se enxergam subindo no altar, muitas vezes sobra a marginalidade. Acusados de lascívia e libertinagem, perdem o direito ao reconhecimento da comunidade. Como é possível que a escolha pela suposta liberdade dos arranjos alternativos leve a ainda mais exclusão? Os encontros casuais raramente terão qualidade suficiente para justificá-la. Estarão condenados à solidão? Chegamos, assim, ao cerne da questão:

É possível se relacionar sem a promessa de completude imaginária mas, entretanto, com comprometimento e aprofundamento afetivo e sexual? Pode-se amar e ser amado de forma leve, para além da relação de posse? Quero acreditar que sim. Pra mim, é evidente: independentemente do modo escolhido, é necessário disponibilidade afetiva, o que significa: entrega. E entrega é um processo orgânico, improduzível de forma artificial. Também por isso é tão rara, valiosa para além do dinheiro. Para aqueles a quem ela não tem visitado, uma palavra de acalanto: uma hora ela também volta a bater na porta. Até lá, recomendo seguir o verso de Letícia Novaes: vai viver sem pensar que viver é amar…

Posts relacionados