O paradoxo da completude

Matheus Ribeiro

Matheus Ribeiro

Tem me intrigado o conceito de “completude”. Na Gestalt-Terapia fala-se muito de “totalidade”, mas os dois não poderiam ser confundidos, visto que o self gestáltico não é completo, mas sempre visa algo que não é ele mesmo e que está para além de si, ou seja, que lhe falta. Assim, os gestaltistas pretendiam precisamente criar uma teoria da experiência que não caísse na armadilha de uma vontade soberana.

Ao contrário: não somos senhores de nós mesmos na exata medida em que vivemos num mundo que existe independente de nosso consentimento. A totalidade gestáltica pode então ser compreendida como esse nexo vinculante entre elementos que tem por essência precisamente a não coincidência. Melhor dizendo: no momento que uma gestalt chega ao seu fechamento, sai de cena e abre caminho para outras. Viver é sempre ganhar mas também é sempre perder.

Claro que a humanidade, neurótica como se tornou, não poderia ficar satisfeita com isso. Vamos imaginar a cena: numa bela noite de verão, você conhece uma nova pessoa e se encanta. Vive um romance daqueles intensos, que mexem com cada célula do seu corpo e arrepiam até a alma. Após algum tempo e uma multiplicidade de experiências vividas com aquela parceria, a magia se esvaece. Vocês até tentam retornar ao local onde tudo começou, mas parece que simplesmente já não há mais aquele algo especial. Descobrem que não há como produzir artificialmente a espontaneidade.

O neurótico, entretanto, tentará fazer justamente isso. Lembrará e se fixará no sentimento quente que habitou seu coração por um breve período e tentará eternizá-lo. Talvez ele tente retomar o relacionamento decadente. Ou então, passe incontáveis horas se martirizando por seus erros supostamente imperdoáveis, ou se sentindo um coitado por ter decidido pela paralisia. Pode até iniciar um outro relacionamento, mas sempre com o sentimento de que a próxima pessoa será sua salvação amorosa. Receita para desastre. Mas quem poderia julgá-lo, afinal? Trata-se apenas de um miserável sonhador.

Mais um exemplo: o trabalhador workaholic que enfim, após meses de trabalho, consegue trocar de carro e, para surpresa de todos, cai em depressão. Ora, ele conseguiu o que queria! Como explicar tal fenômeno bizarro?! Fica evidente: ao atingir seu objetivo, ele percebe que investiu-se num ideal de consumo como se esse pudesse trazer-lhe a felicidade. Talvez o novo carro possa de fato ter alguns recursos a mais, mas também evidencia um vazio e uma falta de sentido em sua vida.

Anuncia-se então o paradoxo: jogados no mundo sem controle sobre a liberdade dos outros, sobre a nossa própria finitude ou mesmo sobre a fúria da natureza, nos tornamos desesperados por garantias. Desesperados, enfim, pela certeza de que não dependeríamos do fluxo errante do mundo e dos outros. Ávidos pelo sentimento de que existe algum ser pelo qual poderíamos nos tornar inatingíveis, sem deixarmos de ser nós mesmos. Eis a doce ilusão da completude.

Posts relacionados