Familiar estranheza

Matheus Ribeiro

Matheus Ribeiro

No mundo, chegamos completos estranhos. Nada conhecemos, nada dominamos, nada nos é familiar. Há um estranheza fundamental em nós

O curioso é que, ao viver, essa estranheza nos move. Para autenticamente conhecer algo, é necessário sentir suas singularidades estranhas – tudo que lhe faz diferente de todas as outras coisas. O estranhamento funda a possibilidade do crescimento.

Claro: eventualmente, durante a vida, nos familiarizamos. Temos nossas identidades, nossos vínculos, nossas vontades. Esses artefatos sociais nos logram estabilidade. Criam o domínio do conhecido, do garantido, do seguro. Familiarizar-se com o mundo é absolutamente necessário…

… e, entretanto, a estranheza continuá lá. Muito mais originária, pois se trata da atitude primordial da vida: a descoberta. Fundamento do contato.

Continuamos a viver com o sentimento de nunca sermos inteiramente transparentes para nós mesmos: nunca conseguirmos saber todos nossos desejos, afetos, dores e angústias. Ora, nunca conseguiremos. Estes não podem ser familiares, pois fundam-se na estranheza de existir.

Podemos, entretanto, abandonar pretensões totalizantes. Desistir do autoconhecimento absoluto, do domínio de si e dos outros, das exigências irreais que frequentemente nos infligimos.

Podemos admitir que sempre irá faltar algo, que sempre sobra uma ausência. E então fazer da estranheza uma velha amiga.

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