Você sabe o que é antipsiquiatria?

Matheus Ribeiro

Matheus Ribeiro

Hoje terminei a leitura do livro Psiquiatria e Antipsiquiatria, do autor psiquiatra sul-africano David Cooper. Esta obra foi importante no contexto da crítica à psiquiatria moderna do século passado por botar em prática ideias polêmicas na época, fundamentalmente: 1) a compreensão de que a esquizofrenia não pode ser considerada uma doença como qualquer outra, ou seja, de que não é totalmente inteligível dentro do modelo médico biológico. 2) que logo, há fatores humanos-sociais-ambientais em jogo no fenômeno psicótico. 3) por fim, de que isso implica consequências metodológicas radicais – os processos interventivos deixam de ser focados em uma pessoa (o doente) e passam a ter como objeto um campo interativo.

Cooper relata em seu livro a forma como efetivou tais heresias epistemológicas em um experimento localizado na enfermaria de um hospital psiquiátrico em Londres. Lá, os limites que definiam a linha entre pacientes e funcionários foi tornando-se indefinido, a hierarquia dogmática enfraquecida, o conceito de esquizofrenia interrogado, a estrutura do forte modelo institucional psiquiátrico questionada.

Descobriu-se que o modelo psiquiátrico tradicional não apenas não é eficiente, mas muitas vezes chega a ser violento com aqueles que se propõe a tratar, e está mais comprometido com uma normatividade disciplinar do que com a autonomia, saúde ou qualidade de vida de seus pacientes. Inverter as atitudes desse modelo é então ato ousado, antagônico: antipsiquiátrico.

A tensão entre psiquiatria e antipsiquiatria ultrapassa aquele momento histórico e se reedita constantemente. No Brasil, temos por exemplo um modelo de saúde pública inspirado em parte no movimento antipsiquiátrico – a rede de atenção psicossocial do SUS. Ao mesmo tempo, vemos essa rede ser constantemente atacada e sucateada nos últimos anos em nome da volta das “comunidades terapêuticas” – versões contemporâneas dos manicômios, moralistas, dogmáticas e (muito) frequentemente violentas com seus habitantes. Não nos enganemos: o conflito é inteiramente político e ainda está vivo nos dias de hoje.

Posts relacionados