A perversidade

Matheus Ribeiro

Matheus Ribeiro

Em nosso trabalho como psicólogos clínicos – e também em nossa vida pessoal – por vezes nos deparamos com sujeitos que encarnam em certos momentos uma forma de vida que poderíamos chamar de “perversa”.

Diferentemente do que acredita o senso comum, não se tratam de psicopatas ou de sujeitos marginalizados, que estariam longe de nós – eles estão ao nosso redor e muitas vezes nem desconfiamos.

É difícil chamá-los exatamente de “sujeitos perversos” – afinal, não são perversos o tempo todo. Eles tem família, empregos, relacionamentos, enfim: levam uma vida “normal” e são até vistos socialmente como pessoas interessantes ou atraentes.

Justamente por este motivo, só percebemos que estamos enredados em sua trama perversa quando já estamos parcialmente – ou totalmente – destruídos. Ora, faz parte da peculiaridade de um ajustamento perverso ser estratégico e sutil – ele não se confunde com a violência bruta, obscena.

Ao contrário, na perversão o interlocutor é seduzido de forma que se torne um representante da autoridade contra a qual o perverso se rebela, suprime, destrói. Paradoxalmente, trata-se de um estilo de ajustamento social e relacional que tem como gozo justamente a supressão de qualquer sociabilidade, de qualquer valor ou relacionamento construído conjuntamente.

É necessário pontuar: não se trata de algo inteiramente consciente. Boa parte das vezes, esses sujeitos não planejam seus atos destrutores deliberadamente. Ao contrário, vivem lapsos de crueldade – mesmo com as pessoas que amam.

O que significa que os sujeitos perversos muito frequentemente acabam sofrendo e sozinhos, não conseguem manter vínculos duradouros ou significativos, e afastam mesmo as pessoas pela qual nutrem algo de bom. Em geral, é nesse momento – quando se sentem abandonados ou insatisfeitos – que nos procuram.

Mas, como em toda forma de vínculo – mesmo num vínculo que procura suprimir qualquer alteridade – é possível desenvolver novas formas de se relacionar. Em uma trama perversa, precisamos primeiramente defender nossa integridade – afinal de contas, nada poderemos realizar se estivermos destruídos.

A partir desse ponto, o trabalho se desenvolve em um sentido duplo: desejamos reconhecer algo de valioso e criativo na perversão, afinal ela alguma vez na vida foi uma forma de se relacionar necessária para a sobrevivência.

Mas, ao mesmo tempo, procuramos ampliar as possibilidades de sociabilidade que se apresentam. Desejamos que esses sujeitos possam ir além de destruir o outro para se satisfazer.

No final das contas, o trabalho clínico com sujeitos que vivem a perversidade é possível e certamente pode ser enriquecedor. Mas só poderá ser bem sucedido se o próprio sujeito desejar mudar. Até lá, o que podemos fazer é nos resguardar – pelo nosso próprio bem.

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