O papel do corpo em Gestalt-Terapia

Matheus Ribeiro

Matheus Ribeiro

Para o público geral a expressão “psicologia corporal” pode parecer um disparate. Afinal, para o senso comum a psicologia é a ciência da mente compreendida como interioridade. Por consequência, o método de trabalho nas formas clássicas de psicoterapia é predominantemente verbal.

Não por acaso, até hoje quando vemos um psicoterapeuta nas representações de mídia – televisão, propaganda, cinema – ele em geral está conversando com seu cliente, ambos imóveis, sentados e em uma sala pequena e de clima intimista.

Entretanto, quando os pressupostos filosóficos e teóricos mudam, a metodologia terapêutica também precisa ser reinventada. Foi o que aconteceu com o advento da Gestalt-Terapia nos anos 50 dos Estados Unidos.

Os gestaltistas originais eram provocativos e questionadores dos modos tradicionais de se fazer psicoterapia. Baseavam suas reflexões e técnicas na filosofia fenomenológica que questionava a divisão moderna de mente e corpo e ao mesmo tempo na forma como o ex-psicanalista Wilhelm Reich compreendia o corpo como local privilegiado do psiquismo inconsciente que Sigmund Freud havia descrito tão bem.

Assim, para os gestaltistas, a experiência humana não se dá numa mente isolada, distante, “aérea”; ao contrário, somos terrivelmente terrestres, sociais desde sempre, aterrados em nossos corpos historicamente afetivos, queiramos ou não.

Tal compreensão era fértil de possibilidade criativa e logo gerou muito excitamento com a nova técnica. A consciência desceu das nuvens do pensamento e se tornou, nas palavras dos criadores da Gestalt-Terapia, “awareness sensomotora”. E se o objeto do trabalho do psicoterapeuta é a sensomotricidade, o método será necessariamente corporal.

O que isso significa, na prática? Ora, o Gestalt-Terapeuta certamente conversa com seu cliente. Mas o faz atentando ao mesmo tempo para a sensomotricidade presente: quando conversamos sobre este assunto difícil, qual é a postura que meu cliente assume? O que eu mesmo, enquanto terapeuta, sinto ao ter que lidar com esta demanda? O que desejo fazer? Qual gesto o movimento do meu cliente esboça? Como está a nossa respiração? É possível acessar uma emoção ou há um bloqueio? Será que estamos relaxados ou tensos? O que cada corpo envolvido nessa conexão expressa ou deixa de expressar?

Assim, através de sua disponibilidade afetiva e corporal, o Gestalt-Terapeuta se envolve com aquela forma sensóriomotora que se desenvolve e da qual ele mesmo faz parte. Ao fazer isso, percebe que em sua própria corporeidade sente impulsos e gestos em estado nascente, e utiliza deles como recurso intuitivo para orientar suas técnicas e intervenções. Mobiliza a respiração, pede para o cliente exagerar expressões, compartilhar bloqueios e sensações, completar gestos que ficaram pela metade, brincar e experimentar com seu próprio corpo.

Descobre, dessa forma, uma espécie de comunicação abaixo do nível verbal consciente, que revela que o corpo humano é profundamente rico de linguagem. Muitas vezes está só aguardando um outro corpo, presente e aberto o suficiente para ouvi-lo.

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