O que faz um bom Gestalt-Terapeuta?

Matheus Ribeiro

Matheus Ribeiro

Hoje na volta do consultório percebi em mim um certo sentimento satisfatório decorrente do que acreditei ser um trabalho bem feito. Por estranho que seja, num Gestalt-Terapeuta – como este que vos fala – isso pode gerar certo pânico, uma vez que a clínica gestáltica se pretende como metodologia não dogmática, ou seja, que não se apoia em teorias que pressupõem conhecer de antemão a Verdade sobre aqueles que nos procuram. A fantasia neurótica desse instante parte do seguinte raciocínio: “se estou satisfeito com o resultado, não teria eu estabelecido o que é melhor para meu cliente e imposto a ele uma forma de vida que na realidade inconscientemente eu acho melhor?”

Precisamos voltar então ao concreto: certos clientes me procuram para dividir algo de suas vidas. Já da minha parte, me preparo de diversas formas para tal encontro, sabendo que ao estar com eles preciso estar de corpo e alma, ou seja, que meu único pecado possível seria não estar de fato ali. Assim, ao me ver diante dessas pessoas que compartilham histórias, sentimentos e reflexões, realizo uma espécie de abertura intuitiva, observo o modo com que sou tocado por cada momento, ato, gesto, tom, postura… e posso então devolver algo: forma já desformada e reformada.

Ou seja, se eu estiver aberto intuitivamente – e é essa abertura que é tão difícil e exige muito treino – meu cliente deixa de ser apenas uma pessoa e se torna um evento, uma complexidade multifatorial que abre em minha corporeidade uma variedade de possibilidades e desejos, entre os quais posso escolher baseado em toda a gama de recursos que tenho disponíveis em meu fundo afetivo, histórico, teórico, intuitivo, enfim, tudo que me faz ser alguém mas também tudo que me faz ser ninguém, tudo que me tira do meu centro e faz de cada consulta um momento inédito. Arrisco dizer que o que faz a Gestalt-Terapia tão diferente é essa insistência teimosa de não saber, de se deixar fascinar por acontecimentos, de se recusar a dizer uma única vez “sei exatamente do que você está falando e o melhor que pode fazer com isso”

Tudo isso considerado, o que faz, então, alguém ser um bom Gestalt-Terapeuta? A meu ver, a indispensável abertura curiosa para estar com o outro, a coragem de encarar o mundo sem pressupor conhecê-lo inteiro e um desejo lúdico de brincar com a experiência. Para responder a pergunta neurótica do início, fica claro então que não há nenhum dogmatismo secreto em curso – o sentimento de bem-estar após uma boa dose de Gestalt-Terapia diz muito mais respeito ao prazer inerente ao processo de descobrir e potencializar elementos da diversidade que compõem uma vida.

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